segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Incompreendido ou A história de uma louca

Um aviso: isso aqui é acontecimento verídico. É força incontrolável. E admitir esta violência é uma necessidade a esta história que é um espasmo. Eu, opiniático vivo, naquele momento e lugar, congelei perante a um olhar profundo: ao de uma mulher elevada em mistério. Alguém mais atento notaria de quem se tratava, mas reconhecê-la não era o mais importante, pois presenciei a vida. Ocorreu desta forma: às sete e quarenta da manhã, sexta-feira, eu era o terceiro de uma fila em uma padaria, aguardando o atendimento quando de mim se aproximava uma senhora de roupas finas, acompanhada de uma senhorita mais nova, também com roupas bem aprumadas. A jovem parecia ser a filha da senhora elegante. As duas recostaram-se na ordem, atrás, resolutas. Acabou. Este é o fim da história. Este conto é tão simples que se encerra rápido com um terrível ponto. Porém na seriedade da fila nada desejava final. Pairava no ar um nascimento de luz pura, engendrada em silêncio. Contudo a culpa fora minha, saliento com antecedência, pois invadi um mundo que não era meu: o do interior dos olhos de outrem. Eu tinha notado tudo, suas roupas, seus gestos, menos o seu olhar: imposição. Olhei-a de cima a baixo, chegando aos olhos: espanto e negação e reconhecimento e turbulência e invasão. Ausência. Eram águas passadas, era tarde: prisão, entrega. A bela garota dos olhos intrigantes olhou-me honesta: escondia algum segredo nos olhos, percebi sem jeito. Mas meu espanto fora maior: não era ela uma mulher, era um grito e um pedido de socorro. E era também uma interrogação, assim: existo para mim? Encarou-me sorrindo. Ela tinha uma felicidade (fingida?) evidente e sem culpa. Meu coração externou-se e de súbito indaguei: como é possível uma felicidade sem receio? É como alguém que não sabe da própria existência. Ela era violenta no ato de existir. Existia confundida. Ela nasceu e ninguém a contou do mundo. É uma existência de si só. Continuou a me olhar. Queria contar-me algo? E os meus segredos? Ela lera-os? Eu que achava que a desvendava, era ela quem me descobria todo. Na padaria silenciosa, todos presenciavam aquele atormento que aos poucos eu desconfiava que fosse o meu. E eu, com os pães na mão, o que falaria para mim em expressão de auto-consolo? Eu que estava sendo despido pela simplicidade bigbangmática da vida. Inclinei-me para frente como num ato de salvação. Não há um só que presencie a transparência da alma transfigurada de perto e continue o mesmo. Eu que achava que era transparente. Agora eu sei: sou canto de parede. Mas, ânimo! Descobri o dia de hoje: acordei para me desfazer do engano. Agradeci ao padeiro pelos pães e fiz menção de ir embora. Adeus. Virei lentamente para não esbarrar no olhar da dama. Segui sem piscar. Olhos com foco. Passos firmes. A saída logo à frente: nunca mais aquele descuido. Alguns segundos: fora o tempo necessário que me fizera repensar todo um plano de vida e sobre em que estariam alicerçados meus projetos. Mas alguém a contou? Alguém contou para ela? Se alguém a encontrar conta depressa que não se olha nos olhos dos outros com uma violenta alma sem receio e sem complexos. Sem receio e sem complexos! Como defender-me de alguém livre de si mesmo? Livre do mundo e para o mundo. Vazia. Vazia dos padrões que dão para alguém o título de humano pleno. Aonde encontrar sentimentos iguais ao dela capazes de tornar aquele olhar no mínino dizível, porque o que pude ler naquela vida é incontável e está acima de qualquer pedido de confissão. Eu, que tinha os pães no braço, saí correndo mundo afora, totalmente perdido de mim e da vida. Eu que jamais serei o mesmo. Violentado. Emparedado. Humanizado. A jovem de olhos secretos era desse jeito: não tinha sequer um motivo para existência de sua alma. Existia plena e coágula.  Existia para mim e para mais ninguém. Existia em meus segredos. Ela que era um segredo inteiro. Passaram-se semanas até que eu abrisse o Jornal da Cidade pela manhã e lesse: “Nesta sexta-feira, a filha do prefeito Damião Double, 62 anos, Cristina Double, 26 anos, acompanhada da mãe, Marília Double, 51 anos, fora atropelada ao sair de uma padaria por um carro. Houve um grande tumulto, e, desesperada, a esposa do prefeito, abaixada, adiantou-se, pressiona o pulso da filha, constatando vida. Aliviada, a senhora Double, ao chão, esforça-se em fazer sua primogênita falar: “Cristina, diz alguma coisa, está me ouvindo?”, clama. Após um instante de agonia, a senhorita Cristina abre os olhos: “filha, diz alguma coisa”, persiste Dona Double. Cristina em um último suspiro, diz: “mãe, só o que pode ser loucura concreta é aquilo que se enxerga dentro dos olhos: loucura é vida incontável”, desabafa Cristina e morre subitamente, deixando uma mãe inconsolada. “Cristina tinha distúrbio mental desde pequena”, finalizou as linhas do jornal. Terminara de ler, arrebatado. Ausente de mim e dos outros. Eu não era nem mais cósmico: eu era Cristina naquele asfalto: para sempre incompreendido.



Pedro Costa, 20/02/202 às 03:21


quarta-feira, 27 de abril de 2011

Palavra que desce



Toda palavra é poesia, é pedaço de coração, é fatia de luz. É que em toda palavra nós existimos, sem graça, parcialmente pueril. A palavra desce uma ladeira como uma bola de neve, grande, indecente, total. É aí existe a amargura ressecada, a flor violentada e a poesia novamente. Poesia seca. Poesia dura. São olhos que enxergam o tempo, vento que releva o frio, nuvem que em nada dá esperança, mas que só faz murchar o que há de bom. Toda palavra é ódio. É potencialmente palavra, apenas assim, acorrentando a vida nessa escravidão da simplicidade.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Uma história de amor



Pare de me elevar com essas precisas palavras, tão convincentes e rasgantes como a ponta de uma flecha, que não só corta como inflama, e me mata por inteiro, assim como me matas agora com seu amor direto e sublime.
Não posso parar já que te convenço e porque já estou imerso. Não deixarei você partir, não te perderei nem por segundos, meu olhar deverá envolver-te ora agora ora depois, é o meu encanto que toma posse dos seus lábios e é você que ora deixo enfeitiçada.
Convincente e teimoso és você, minha garganta quer gritar “fuja”, mas minha alma precisa do seu encanto e do seu fascínio louco que perpassa toda a minha razão e me transforma em presa fácil, capturada em compaixão.
Não permitas que este amor fique por tão longe se acabando, mas de outro modo queira este enlace de vidas, aceite este amor por agora e não se vá, me deixe envenenar-te de amor puro, não vai doer, é veneno esperto.
Envenenada eu estou até as pontas da alma, é que não quero te perder por nenhuma flecha, por isso tu tens que partir agora, antes que o mal aconteça a ti, minha loucura que sangra.
Nenhum mal pode ser maior que a distância de suas doces mãos, pode passar cem anos e ainda assim te esperarei, pois amor não tem fim.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Igual ?



Tudo o que escrevo é igual. Jamais chegarei ao agudo do diferente. Inclino-me sem esperança ao alcance daquilo que não posso tocar: tudo aquilo que é extremo e distinto. O esforço que para mim é em vão, contudo, não é de longe minha dor, é minha alegria de não ter que fazer coerência com o que digo. Tudo que vou dizendo é palpável, não invento nada. Eu escrevo manso, com mãos humildes de analfabeto. Mas, feliz. Felicidade difícil eu sei, mas felicidade. E acredite também quando digo que é com dificuldade com que escrevo, pois na verdade não escrevo bem, o que eu faço aqui é história real, dura e transparente. E ser transparente é ser extremo, extremo pela verdade que devemos ao mundo. E é nessa extremidade que invado o universo do diferente. Do oco.

sábado, 9 de maio de 2009

Equilíbrio




Eu vou me sendo com alguma paixão de mim. E sei que sem isso a vida se torna intolerável. Eu me amo sem esboço e me recrio ao passo que vivo. É um paradoxo. Mas a vida é que é um paradoxo. Um paradoxo funcional. Só se vive e existe no mundo aquilo que é perfeito. A natureza com o seu eterno verde é perfeita. As pessoas com seu ódio milimetricamente pensado são perfeitas. As coisas, que por serem coisas, são aperfeiçoáveis e perfeitas. Mas eu também sou perfeito? Ser perfeito demora e vem com o tempo. Mas a vida, veja bem, está se equilibrando entre a perfeição e o homem. Por Deus, a vida é quem realmente precisa de um equilíbrio perfeito para existir.


Ódio e poluição




Esta história, veja bem, foi dando-se tão clara quanto é clara a vida. Aconteceu por uma liberdade de fatos. Naquela quase noite de chuva insuportável, o ônibus finalmente chegara.  Adentrei, cumprimentei o cobrador, sentei. Pensei um pouco e adormeci num sonho eternal. Acordei bruscamente. Não era nada. Levantei a cabeça bem vivo e já de imediato avistei ao entrar pela porta da frente um vendedor de doces. Fez sua apresentação com ânimo, aguardou o interesse de alguém. Levantei a mão, ousado que sou, pedi três chocolates. O chocolate tinha uma embalagem toda enfeitada com desenhos de brigadeiros por toda parte. Abri. Não, eu não abri. Estava abrindo quando percebi sem graça que uma criança sentada no colo de uma mãe estava olhando-me atentamente com olhos de fome. Eu, apaixonado que sou, ofereci um dos meus chocolates à criança que eu já anonimamente amava. Aceitou o chocolate, quase chorando. A senhora do menino agradeceu: “não precisava”, dizia doce. Agora sim, abri meu chocolate. Comi. Cresci em êxtase. Dentro do ônibus a melhor coisa era comer chocolate. O vendedor de doces desceu no ponto. Meu destino não chegava nunca, haja vista o doloroso engarrafamento, o que me atormentava a vida todas as noites de sexta-feira. Mas eu amava a vida e a criança amava o chocolate. Abriu de mãos leves, deveria ter cinco a seis anos. Ao abrir, deparou-se com o chocolate negro de saboroso. Sorriu, riu pesado de paz. A mãe do menino achou graça e olhou-me como se quisesse abraçar-me. Ansioso, mordeu o desejado chocolate. Ele comia devagar, como quem quisesse guardar pra sempre um tesouro. Comia. O ônibus respirava. Mas o dia não estava programado para dar certo. Assaltado por um grande espanto, para minha surpresa, o menino começou a me olhar diferente, o ônibus interno de mim mesmo começava a entrar em turbulência. Constatação: o doce pareceu-lhe amargo. A criança a quem minutos antes o meu amor eu entregava, maltratava-me agora com uma expressão de cólera e horror.  Ele não gostou do chocolate. Meu Deus! Jogou o chocolate pela janela ainda com embalagem. Morri. Sobrevivi sem acreditar. A mãe da criança passou a me olhar com intensa raiva. O que fiz? . Levantei-me forte da morte, refleti. Aquela criança não só poluiu o meio ambiente como a mim também. Poluiu-me de ódio. A minha solidariedade de adulto a ofendeu? O que fez aquela criança jogar fora, e pela janela, o tal chocolate? O que suscitou subitamente aquele ato poluente de uma criança aparentemente feliz e ingênua? Mas enquanto ao menino? Será que foi contaminado por um amor áspero e direto que era o meu? Pior é saber que até hoje se mata a natureza. Infeliz de quem polui, não sabem da condição de vítima em que se colocam. Mas se tão-somente fosse eu morto naquele momento de falta de educação doméstica, tudo bem, mas a natureza, com tudo o que nela existe, é quem levou um tiro. Um tiro que só ela sabe traduzir a dor. A embalagem jogada pela criança vai se decompor gota a gota. Levará anos fazendo sangrar o nosso asfalto urbano. Naquela noite, eu presenciava a poluição da vida, e a poluição de mim mesmo. Fui poluído até o fim de mim. A natureza deu um dos seus gritos de dor e socorro. Eu também gritei um grito interno. Gritei um ódio de macaco selvagem. Eu também sangrei. Porque eu, ambientalista de mim mesmo, sofri a dor da decomposição daquela embalagem. Senti em mim o plástico preso dentre os ossos, impregnado para sempre em minha mente. Aquela embalagem ficaria por muitos anos na natureza caso não fosse reciclado. A poluição era imensa. A criança era imensa. Eu era imenso em dor. A cada dia o centro urbano vem poluindo de maneira irresponsável o meio ambiente. O ar, a terra e a água estão cada vez mais poluídos. Coitados de nós dois, amado leitor. Juro que dera meu amor juntamente com aquele chocolate. A criança não gostou e jogou fora. Jogou fora o meu amor. O ônibus sussurrou em pânico e agonia. A mãe do menino balbuciava em ódio de mãe. Eu era um homem sem culpa. A poluição do menino não vinha só dele, mas de uma criação que lhe foi dada. Eu fui aos poucos me refazendo em passageiro sereno. A poluição me angustiava a vida. Eu teria ainda filhos? A criança deixou-me em dúvida. O ônibus continuou seguindo. Eu não era nem mais feliz. A criança matou-me, ressuscitei por persistência. O meio ambiente chorava dores de decomposição. Já se passava vinte minutos daquela cena. A decomposição tinha começado na natureza. O ódio tinha começado em mim.

Revisado em 21/02/12

Os de Segunda- Feira




Eu escrevo agora, meu Deus, com algum ódio da vida que é absurdamente desigual. Eu escrevo para de algum modo eu me detestar um pouco mais, porque só me vendo com rancor é que eu escrevo sobre o mundo com uma perfeição de fatos. Quando me odeio, por algum ângulo sei que odeio o mundo também. O mundo está em mim? Quando me cuspo o rosto, sei que estou cuspindo o que é mais terrível e intolerável em mim. É que, meu Deus do céu, não sou tão bonzinho e sei que já fiz divisões de pessoas e as determinei “melhores” ou “piores”. Eu sei que agora eu entendo tudo isso com alguma dor disfarçada, mas eu sei que matei e puni quando tive preconceitos de um outro alguém. Eu também julguei, e quando se julga, acaba-se de matar novamente, mas dessa vez é com tiros por todo o corpo, tiros que me atingem por atingirem também aos espelhos. A sensação de estar sempre diante de um espelho é uma mastigada verdade que tive que aprender. E é por isso que sou atingido quando balas atingem aos espelhos: as balas me vêm como reflexo direto e reconhecedor como se possuíssem faro. Mas eu também pequei em uma tarde de segunda-feira. Eu fiquei sabendo que um cinema muito famoso cobrava dois reais pela entrada em dia de segunda-feira. Nunca descobri o motivo disto, mas a questão é que quando se abaixa o preço, pode-se abaixar também o nível de pessoas. Será? Mas foi isso mesmo que eu pensei, ora bolas. Quando se cobrava quinze reais a entrada-inteira do cinema, só iam pessoas normalmente bem arrumadas. Mas com o mudar dos fatos, isso continuaria assim? As pessoas seriam as mesmas? Acaso bem-arrumados vão ao cinema dia de segunda-feira, sabendo os mesmos que o ingresso estão mais barato? E que podem, agora, se coadunarem com uma raça estranhamente negra e pobre? A verdade é que eu fiz o que hoje me traz grande dor : classifiquei mais uma vez os seres. Quando eu soube da redução de preço aos dia de segunda, eu disse “Ah, só vai gueto, eu não irei ver filme neste cinema em dia de segunda-feira”. Foi isso mesmo que eu pensei. Com toda a minha ignorância do mundo. Eu acho que com isso eu matei e julguei, logo, matei duas vezes. O que eu na verdade estabeleci é que eu não ando com outros tipos de gente. Mas pelo amor de Jesus Cristo, todos nós somos iguais. Acaso sou melhor do que as pessoas de segunda-feira? Acaso não tem pessoas do meu meio de interação que vão para este cinema em dia de segunda-feira? O que são essas pessoas de segunda? São pessoas de segunda, meu Jesus. São pessoas que não são de terça ou de quinta. São puramente as de segunda mesmo. Quem saberá o quanto essas pessoas esperam pela segunda salvadora? O quanto essas pessoas esperam a milagrosa redução de preço? Essas pessoas esperam para amar nesta segunda, para rever os amigos nesta segunda. Quem sabe o coração do mundo bata mesmo é nesta segunda-feira. Quem sabe a sustentação da minha vida inteira esteja nesta segunda. São segundas de amor. Segundas de glória e perdão. São segundas quentes e calorosas. São segundas onde as mulheres confiam em dar à luz a seus bebês. São segundas de oração. As pessoas de segunda esperam com algum espanto o sábado e o domingo passarem para enfim poder vê o filme com certo amor debaixo dos braços. Os de segunda não é tão diferente de mim, na verdade um dia eu serei eles, sentados na primeira poltrona. Os de segunda tem sonhos. Eles sonham em se casar e sonham em ver a segunda chegar. É na segunda que a vida acontece. É o lugar que o coração respira fundo. É o lugar no qual a escuridão é sadia e esperada. É um lugar que as coisas acontecem com alguma delicadeza e paixão. O dia de segunda lá dentro do cinema, tudo é tudo. As pessoas são as pessoas, e as coisas são as coisas. Ninguém atrapalha o andamento dos seres. Ninguém incomoda ninguém de si ser. Os de segunda são autênticos, por isso temidos. A máscara verdadeira causa alguma dor que não sei dizer o porquê. Só sei que existe. Os de segunda não usam máscaras. Os de segunda são os de segunda, meu Deus. São sem nenhuma dor na alma. São sem frio. Os de segunda são interligados com os de segunda da outra semana. São os mesmos? Os de segunda tem alguma paixão por mim que desconfiei pelo olhar. Naquela tarde de segunda, os de segunda me olharam com alguma resignação... Eu também os encarei com o meu ódio que sinto por um direito que é meu. Direito? Eu também de certo modo os reconheci e me confundi também entre eles. Eu sou os de segunda? Apenas sei que em algum lugar deste universo que não sei medir existe alguém de segunda-feira. Parece que até vejo se aproximando e com certa glória ele chega e bate no meu ombro e pergunta “ Você está na fila? “. Eu nunca soube responder se estava ou não. Eu também nunca tive certeza se assisti ao filme ou não. Eu nunca sei de nada. É por isso que me odeio com algum amor.

O bumerangue



Um bumerangue sempre volta. Volta para os laços de afinidade de um pai, volta por dura crença em um amor que lá atrás existe. Volta para avisar que já estava indo: um bumerangue nunca irá sozinho, ele volta para buscar esperança e fazer da força do seu dono um alicerce. Volta para se preparar um pouco mais, ele sonhou e foi buscar, mas a vida é gélida para quem não está pronto. Volta por medo da ida, mas é preciso ser forte e, por isso, ele de novo retorna. Volta pelo frio que lá fora faz: um pai nunca negará cobertores a um filho. Volta por promessa. Ele foi e agora está voltando. Volta porque ama sua origem, bumerangue que é bumerangue nunca esquecerá das mãos que lhe proporcionou o primeiro lançamento. Volta pois adora a liberdade de ir e vir, poucos tem este privilégio, muitos foram e jamais voltaram. Volta por admiração ao caminho que vai e vem. Volta para dizer ao dono que está tudo bem, ele se preocupa com aquele que o protege. Volta porque o braço que o esperava lhe trás robustez e coragem. Um bumerangue volta porque gosta da mão que o segura certo. Volta enxugando as lágrimas de seu dono. Um filho fiel sempre provoca saudades em um pai. Um bumerangue sempre volta para fortalecer suas asas de menino livre. Volta porque não espera muito para o reencontro triunfal de pai e filho. Um bumerangue sempre volta. Ele volta tomando cuidado para não se desviar, na trajetória da vida, necessário se faz escapulir das tentações. Volta porque na volta ele encontrará descanso nas mãos de seu pai fiel. Volta só por brincadeira. Volta para dizer ao seu paizão que conseguiu realizar os seus sonhos, que fora difícil a jornada fora de casa, mas ele venceu. Um bumerangue sempre vence. E volta por um compromisso de retornar depois que fosse. Volta pois sente o olhar de seu arremessador triste, ele volta para dizer “não chores mais, estou aqui agora”. Volta para avisar que já cresceu e agora precisa ir. Volta exuberante e cheio de esplendor, a liberdade faz com que um bumerangue se ame profundamente. Um bumerangue sempre volta. Volta para se completar. Volta porque é um bumerangue. Ele volta exacerbado de amor. Ele volta, mas é lançado novamente. Mas existe uma esperança de que ele volte, seu pai o espera.



Obs.: A palavra “bumerangue” está aportuguesada , sua escrita em inglês é “Boomerang”.


Entre descansar e viver, o que preferes?






Estou tão cansado que aceitaria a morte como descanso. Morrer seria meu descanso maior, o mais profundo de todos. Eu estaria em um sono de mil anos, meu corpo estaria em repouso perpétuo. O descanso proporciona renovo, restituição de forças. Em contrapartida, a morte não te renova, pois nesta condição já não se volta ao estado anterior. Mas a morte, só a morte, tem valor de ouro neste instante. Necessito de uma morte suave para a minha doença do cansaço. Morrer é levemente eficaz quando se precisa, mas só quando se precisa muito. Não se pode voltar atrás, morrer é ter certeza do que se quer, ninguém pode pedir um descanso profundo sem ter plena convicção de que quer morrer, de que quer uma noite totalmente escura, sem espaço para a luz. A luz, o frio, a doença do cansaço são fatores imprescindíveis para se morrer com êxito. Vale a pena morrer, assim como vale viver. Para o descanso profundo eu preciso morrer. Por conseqüência, eu descanso e não volto a vida. Viver nesse cansaço é o preço que se paga para continuar acima da terra dura. Entre descansar e viver, o que preferes? Nenhum dos dois eu escolheria, me valeria de minhas forças e daria um sorriso para continuar vivendo asperamente.